Costanza Pascolato dá uma aula de como se manter atual

Fotos: Helm Silva

É terça-feira de Carnaval e, enquanto os últimos blocos ocupam as ruas de São Paulo, deixo meu marido e meu filho em casa para passar a tarde com Costanza Pascolato no seu apartamento, em Higienópolis. Acho que qualquer pessoa que ama moda como eu adoraria fazer o mesmo. Aos 78 anos, há 26 colunista desta Vogue, ela é a maior autoridade no assunto no Brasil e, nas muitas vezes em que estamos juntas em eventos, me sinto mais ou menos como se estivesse ao lado do Mickey na Disney. É difícil dar dois passos sem que lhe peçam uma selfie, um depoimento, o veredito sobre um desfile – e Costanza atende a todos com a maior paciência do mundo.

Desde que a Vogue abraçou, no ano passado, a campanha de que é possível, sim, se sentir “divina maravilhosa” em qualquer idade, eu sabia que precisava ter este encontro com Costanza. Além de linda, elegante e culta, ela é uma das pessoas mais contemporâneas que conheço. Foi Costanza, por exemplo, quem me apresentou anos atrás ao Man Repeller quando Leandra Medine dava os primeiros passos com seu blog.

Também foi com ela que fui parar há um ano em um endereço underground de Paris (as duas sem convite) para assistir a um desfile da Y/Project, marca de streetwear que hoje faz sucesso entre uma turma muito descolada. Mas tudo isso ela faz sem esforço, sem querer parecer mais jovem do que é ou forçar a barra para ser cool.

Perseguir a juventude eterna não é algo que a seduza, coisa de quem viveu (e vive) intensamente cada momento: Costanza teve duas filhas (Consuelo e Alessandra), foi deserdada pelo pai depois de deixar Robert Blocker (o pai das meninas) para morar com Giulio Cattaneodella Volta (seu grande amor), começou a trabalhar e se tornou referência na imprensa de moda (mesmo achando quando moça que jamais iria pegar no pesado), viu Giulio morrer subitamente em seus braços por causa de uma doença coronária, enfrentou dois cânceres de mama, começou um relacionamento aos 55 com o escritor e produtor musical Nelson Motta (de quem se separou seis anos depois) e atualmente adora viajar com os netos (Cosimo, 24 anos, e Allegra, 22).

“Eu nunca pensei no envelhecer, tanto que não tinha nem percebido que já estava tão perto dos 80 anos. Mas, para mim, não há nada pior que tentar ser o que você já foi. Acredito em um fim de vida o mais ativo possível, o mais amoroso possível com as pessoas que estão ao nosso redor”, diz ela, que fez um minilifting aos 49 anos e hoje não recorre a procedimentos estéticos porque não quer se “sentir escrava”. Sexo é um tema que aborda com humor e sinceridade. “Você não consegue ficar sexualmente estimulada quando tem dor de estômago, o segundo câncer, uma coluna ferrada. Quando era jovem, eu já ficava assim, encostada na parede, porque achava que meu bumbum não era legal. Imagine agora!”, conta, às gargalhadas. “Eu fazia um sucesso danado, mas nunca fui sedutora, nunca fui de ficar transando com as pessoas. Sempre me interessei mais pela cabeça delas.”

Quando tinha 69 anos, Costanza criou o que chama de totem: adotou um penteado que virou sua marca registrada (com o cabelo armado na frente e preso na nuca), um risco dramático nos olhos e óculos escuros. As roupas são quase sempre pretas e discretas de grifes como Miu Miu, Prada, Céline e COS, além das linhas que a filha Consuelo assina para marcas como Annexe e Angela Motta – há dois anos, ela circula quase sempre com tênis nos pés, inclusive nos desfiles internacionais. A ideia de assumir essa espécie de avatar surgiu quando estava se preparando para uma festa de fim de ano do arquiteto Jorge Elias.

“Tinha feito uma roupa vaporosa com a Gloria Coelho e o Pedro Lourenço, com umas estrelinhas. Puxei o cabelo para cima e achei que fiquei bem, que levantou a minha fisionomia. Pensei: vou ter que inventar uma versão disso para o dia a dia. Não quero ficar puxando a cara com plásticas, você perde a expressão. ”Ao longo do último ano, esse totem se modificou um pouco: o cabelo está mais soltinho na nuca porque os fios começaram a cair; o riscado do olho deu lugar a uma pintura mais esfumada. “Não faço mais o traço certinho porque as rugas venceram. E daí que elas venceram? Inventei outra coisa!”.

Costanza nasceu em meio à Segunda Guerra, em Siena, na Itália, numa família tradicional, aristocrática e altamente ligada à intelectualidade de ambos os lados – inclusive as mulheres. Era um ambiente repleto de advogados, diretores de universidades, pessoas que atuavam na área social. “Minha bisavó paterna inventou com o governo da época uma série de bibliotecas para mulheres. A filha dela traduziu do dinamarquês para o italiano os livros do Hans Christian Andersen. Todo mundo na minha família sempre falou quatro, cinco línguas”, conta.

Quando ela tinha 5 anos e o irmão, Alessandro, 1 ano e meio, os pais de Costanza (Gabriella e Michele) decidiram se mudar para o Brasil, onde já tinham alguns amigos, como o clã Matarazzo. Chegando a São Paulo, perceberam que o País fabricava um ótimo algodão, mas toda a seda era importada. Foi assim que surgiu a ideia de fundar a Santaconstancia, tecelagem que se tornou referência em inovação.

“Minha mãe se entusiasmou com a moda. Ela sempre se vestiu muito bem”, diz sobre Gabriella, que costumava circular a seu lado nos desfiles até a morte, em 2010. A chegada a São Paulo não foi fácil para Costanza. A educação, sempre muito formal, era acompanhada de perto pela governanta suíça Blanche Raval, uma espécie de segunda mãe para ela. A família esperou um ano e meio até matriculá-la em um colégio, o tradicional Dante Alighieri. Aos 7 anos, Costanza foi encaminhada para o jardim de infância porque ainda não falava português.

“Lembro claramente que era maior que as outras crianças, que tinham 5 anos. Na hora de ir para o recreio, elas ficavam me olhando, puxavam minha roupa e cantavam:‘ chocolate, chocolate’, uma brincadeira com meu sobrenome, Pascolato. Eu pensava: o que será que essa criançada tem? Não que eu ficasse chorando, me sentisse humilhada. Um dia, concluí: estão fazendo isso porque sou diferente deles. E pensei: ainda bem!” E foi assim que fez a vida inteira.

Hoje ela diz finalmente não carregar mais o peso do mundo nas costas por ter deixado as filhas durante quatro anos com o primeiro marido no Rio, onde na época morava com a família, para viver seu amor com Giulio, em São Paulo – uma relação que durou mais de duas décadas até ele morrer, em 1990. A terapia a fez rever a culpa. “Até hoje eu me pergunto: meu deus, o que você fez? Mas eu achava pior viver uma mentira.”

Foi assim que Costanza começou a trabalhar na revista Claudia, primeiro como produtora de decoração, depois na moda. Há 26 anos, estreou sua coluna nesta Vogue, entre tantas outras atividades na área (livros, parcerias, consultorias). “Eu fui trabalhar pensando: preciso que as minhas filhas vejam que não sou uma pessoa superficial. Queria reconstruir uma dignidade que achei que tinha perdido.”

Estar tão bem e próxima de Consuelo e Alessandra a emociona – no ano passado, ela foi às lágrimas quando conversamos sobre o assunto no palco do Elas por Elas, evento sobre empoderamento feminino com curadoria da Vogue. Em breve, vamos saber um pouco mais sobre ela: desde janeiro, Costanza prepara um livro pela editora Tordesilhas ao lado de Isa Pessoa, com quem também publicou o best-seller O Essencial. Será uma espécie de “pergunte a Costanza”. “Minha vida daria um filme.” Certamente, seria umblockbuster.