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A combinação de juros em queda com mudanças na política de concessão de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) levou as empresas brasileiras a uma busca recorde pelo mercado de capitais para se financiarem em 2019. Mas só uma pequena parcela do dinheiro captado tem sido usada para investimentos em produção e, consequentemente, movimentado a economia.
O capital privado é considerado fundamental para uma retomada consistente da atividade econômica devido à saturação do orçamento do setor público. Sob reformas para ajustar as contas e tentar voltar a fechar no azul, o governo tem as despesas limitadas pelo teto de gastos e não tem folga financeira para investir.
De janeiro a novembro deste ano, as emissões no Brasil somaram R$ 346,2 bilhões, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). O volume é recorde e engloba não apenas ações, mas debêntures, notas promissórias, letras de crédito, certificados de recebíveis imobiliários e do agronegócio (CRIs e CRAs) e fundos de investimento.
A maior parte dessa quantia foi levantada via debêntures: R$ 153,5 bilhões. As debêntures são títulos de dívida de empresas. Os investidores compram esses papéis para financiar as companhias e, em troca, são remunerados com juros – algo similar ao que ocorre com os títulos do Tesouro, vendidos pelo governo.
Do total arrecadado com emissões de debêntures até novembro de 2019, mais da metade (65,9%) foi destinada a capital de giro e refinanciamento de passivo (reestruturação de dívidas). O investimento em imobilizado, onde se enquadram os aportes para aumento de capacidade e novas tecnologias, só ficou com 0,4% dos recursos. Em 2018, a porcentagem era de 0,7%. Em 2016, chegou a 3,3%.
“A parcela que está sendo investida está muito baixa. Dois fatores têm inibido as empresas: a grande capacidade ociosa (em torno de 30%) e o nível de incerteza alto”, avalia Carlos Antonio Rocca diretor do Centro de Estudos de Mercado de Capitais da Fipe (Cemec-Fipe).
Uma fatia de 14,7% foi usada para investimentos em infraestrutura. Há uma classe especial para aportes em projetos desse tipo, as chamadas debêntures incentivadas, isentas de imposto de renda para o comprador – diferente das demais.
Outros 9,7% foram destinados a “investimento ou compra de participação societária”.
“Do ponto de vista macroeconômico isso não agrega nada, é só transferência (de recursos entre empresas)”, diz Rocca.
Dinheiro que vem da bolsa
A venda de ações, seja de companhias estreantes ou já listadas, totalizou R$ 78,3 bilhões de janeiro a novembro. Mas a quantia cai para R$ 26,4 bilhões nos últimos 12 meses encerrados em novembro quando consideradas apenas as empresas não financeiras e as emissões primárias, ou seja, de novas ações, que geram dinheiro que vai para o caixa das companhias (e não constituem apenas compra e venda entre acionistas), segundo levantamento do Cemec.
Dentro desse recorte, do que as empresas captaram na bolsa brasileira para se financiar no período, 37% foi usado para a compra de ativos ou atividades operacionais; 20,6% foi destinado a redução de passivo ou capital de giro; 24,5% a aquisição de participação acionária; e 2,9% em investimentos em TI e logística.
“Mas número de emissões de (novas) ações é muito pequeno e, dependendo da empresa que faz ou não faz (emissão), esses dados oscilam muito”, pondera Rocca.
Protagonismo do setor privado
A significativa redução da taxa básica de juros (a Selic, atualmente em 4,5%), e a mudança nas políticas do BNDES – o banco de fomento passou a adotar uma taxa menos subsidiada e mais próxima da praticada pelo mercado e também diminuiu a oferta de empréstimos – abriram espaço para o crédito privado no Brasil.
“Com o governo pagando 14,25% (patamar que a Selic alcançou a alguns anos), quem quisesse colocar papel privado no mercado teria que oferecer um prêmio acima disso, então o custo de captação ficava muito alto. Com o desabamento da taxa, o custo de captação das empresas caiu drasticamente”, diz Rocca, do Cemec.


Juros em queda — Foto: Arte/G1
O desafio agora é converter o dinheiro captado em investimentos para movimentar a economia. O setor privado é a grande aposta do governo para a aceleração da economia. Com a fragilidade das contas públicas e os bancos públicos emprestando cada vez menos, o governo espera que a iniciativa privada seja protagonista do crescimento.
“O BNDES tem tido um papel menos importante do que já teve no passado. Então, olhando par frente, o crescimento econômico vai vir pelo investimento privado”, diz Marcel Balassiano, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).
Se não houver surpresas no mercado externo e se a agenda de reformas do governo continuar, a tendência é que os investimentos das empresas cresçam nos próximos meses, na avaliação de Rocca.
Estudo do Cemec apontou dois fatores preponderantes para a decisão dos empresários em investir: a relação entre retorno e custo para captar recursos e as perspectivas de crescimento médio para a economia nos próximos três anos. E um levantamento da própria entidade mostra que a a taxa de retorno do capital investido pelas empresas tem caído, ao mesmo tempo em que o custo médio ponderado do capital tem caído. Como resultado, dentre empresas acompanhadas pelo Cemec, a parcela daquelas que conseguem retorno acima do custo de capital subiu de 33% em 2016 para 51% neste ano. Em 2010, a fatia era de quase 60%.
Além disso, indicadores como o índice de confiança da indústria têm melhorado e o Banco Central elevou mais uma vez esta semana a perspectiva de crescimento do PIB para 2,28% em 2020, num sinal de otimismo quanto ao futuro da economia brasileira.