Brasil tem quase três milhões de jovens por ano que não frequentam a escola

Esta realidade se reflete em prejuízo de R$ 35 bilhões para o país, revela novo estudo do Insper, liderado pelo economista Ricardo Paes de Barros, e organizado pelo Instituto Ayrton Senna, Instituto Unibanco e Fundação Brava

Quando o ano letivo de 2017 terminar, os números de uma tragédia silenciosa e com grande impacto na vida social brasileira terá completado um novo ciclo perverso: cerca de um quarto dos jovens de 15 a 17 anos – um contingente de 2,8 milhões de pessoas – não terão se matriculado no início do ano, abandonarão seus estudos durante o ano letivo ou simplesmente terão sido excluídos da escola pela reprovação. Apenas pouco mais da metade dos jovens de 15 a 17 anos concluirá o Ensino Médio com no máximo um ano de atraso, acarretando prejuízos para os indivíduos e também para a sociedade, como o desperdício de R$ 35 bilhões por ano. As informações constam no estudo Políticas Públicas para a Redução do Abandono e da Evasão Escolar de Jovensconduzido por Ricardo Paes de Barros, economista-chefe do Instituto Ayrton Senna e professor no Insper, fruto da parceria entre Fundação Brava, Instituto Ayrton Senna, Instituto Unibanco e Insper.

Com dados atuais e tratamentos estatísticos inéditos, o trabalho busca iluminar as causas do que chama de “desengajamento dos jovens” do processo educativo, ampliando o conceito de garantia dos direitos de educação para além da oferta e qualidade de ensino. Além disso, aponta caminhos para o desenvolvimento de políticas públicas pelos Estados, fazendo um amplo levantamento das principais práticas nacionais que já foram desenvolvidas para combater o problema e benchmark de relevantes iniciativas internacionais.

As conclusões de Paes de Barros contradizem a ideia de que o Brasil caminha para eliminar o gap de atendimento, ou até mesmo alcançar o objetivo de universalização do Ensino Médio, previsto no Plano Nacional de Educação para 2016. Além de apontar uma estagnação na matrícula daqueles com idade de 15 e 16 anos nos últimos 15 anos, os dados revelam que a porcentagem dos jovens de 17 anos fora da escola cresceu 6 pontos percentuais neste período, passando de 34% para 39,8% da população dessa faixa etária.

Com isso, o Brasil caminha na contramão de tendências internacionais. Dados da UNESCO trabalhados pelo economista apontam que 74% dos países do mundo avançam mais rapidamente na velocidade de inclusão dos jovens de 15 a 17 anos na escola do que o Brasil. Hoje, mais da metade das nações tem menor porcentagem de jovens fora da escola.

No atual ritmo de evolução na taxa de inclusão de jovens no Ensino Médio, o Brasil levará 200 anos para atingir a meta do Plano Nacional de Educação, que é a universalização do atendimento escolar a toda a população de 15 a 17 anos. Mesmo considerando o ritmo dos dois Estados brasileiros que mais evoluíram (o Pará e o Espírito Santo), o atraso em relação à meta seria de 32 anos. Mas, se o ritmo for semelhante ao dos países da Ásia Ocidental – os que avançaram mais rapidamente neste quesito – isso poderia ocorrer em 2030, com 13,8 anos de atraso em relação à meta prevista no Plano Nacional de Educação.

O estudo também identifica e classifica as 14 principais razões para o desengajamento, criando um mapa que ajuda a definir com maior precisão as possíveis estratégias de combate à evasão e o abandono escolar. Além de apresentar fatores já debatidos e aceitos no campo da educação, o estudo traz uma visão inovadora ao reforçar o livre arbítrio e a capacidade do jovem de racionalizar sobre seu engajamento na escola, de forma que a decisão de evadir ou abandonar é também uma decisão racional e que deve fazer sentido.

Desta forma, os 14 fatores são agrupados em 3 conjuntos. O primeiro conjunto se refere a fatores que não decorrem da falta de interesse, mas sim da existência de impedimentos externos, como acesso limitado ou impossibilidade física; o segundo decorre da falta de interesse como decisão bem informada e racional, implicando que a decisão de livre arbítrio do jovem de sair da escola pode ser justificável, dado questões como a qualidade do ensino e clima escolar; e, por fim, o terceiro grupo de fatores determinantes diz respeito à falta de interesse sem informação adequada e baixa resiliência emocional, na qual a decisão de sair da escola é tomada sem a informação adequada ou sem a devida reflexão.

Além de fazer um quadro sistematizado das causas, que podem orientar a criação de políticas públicas mais efetivas para combater o problema, o estudo contribui para o debate ao elencar mais de uma centena de programas nacionais e internacionais com foco no engajamento dos jovens em idade de cursar o Ensino Médio. Os programas internacionais apontados possuem eficácia comprovada, mas no Brasil, embora exista uma grande diversidade de ações, quase todos ainda carecem de avaliação mais precisa de sua eficácia para que possam ser aprimorados. Este fato demonstra o problema da falta de avaliação e construção de políticas sem base em evidências, o que compromete a eficiência do gasto e a eficácia dos resultados

O estudo vai além do diagnóstico e propõe a organização de políticas ativas e integradas para diminuir o desengajamento, como a garantia do acesso, especialmente para aqueles que vivem impedimentos (como os moradores de áreas rurais, pessoas com deficiência e privados de liberdade), e a formulação de políticas integradas na saúde e na assistência.

Do ponto de vista da escola, diz Paes de Barros, é preciso ampliar o leque de alternativas atrativas para os jovens que estão em vias de redução do engajamento, entre elas: cursos profissionalizantes, práticas esportivas e artísticas, atividades no contra turno, flexibilização curricular, com trilhas dentro do ensino regular. Além disso, o estudo recomenda a melhoria do clima na classe e programas para a redução do absenteísmo do professor.

O autor confere especial atenção à flexibilização para o aumento da atratividade escolar: a discussão sobre a real necessidade de presença na escola, com aumento das atividades a distância; flexibilização dos horários de aula, dos turnos e calendários, inclusive com a adoção de sistema por créditos; flexibilização do modelo de avaliação. Outra indicação relevante é que as escolas criem, com rapidez, formas de identificar e aconselhar jovens que manifestam sinais de desengajamento. Isso significa, em outras palavras, definir e controlar indicadores constantemente para intervir, com antecedência, quando os jovens começam a dar sinais de desengajamento. Programas norte-americanos como esse objetivo, com evidência da eficácia, são exemplificados no estudo.

A partir de agora, a pesquisa vai subsidiar uma ação digital da Fundação Brava para sensibilizar a sociedade e oferecer este conteúdo aos gestores públicos de forma clara e dinâmica, para apoiá-los na implementação de práticas bem-sucedidas de inclusão dos jovens na escola. Irá ao ar o site ‘Galeria de Estudos e Avaliação de Políticas Públicas’ – o GESTA (www.gesta.org.br) –, cuja primeira sessão, de Engajamento Escolar, esmiúça os resultados do trabalho e facilita o acesso às políticas pesquisadas com uma série de recursos audiovisuais e interativos.