Uso da internet por crianças pequenas dobra na última década e pode comprometer etapas fundamentais do desenvolvimento, destaca especialista
Menos bicicleta e pique-esconde, e mais telas de celular e computador. Na última década, o tempo das brincadeiras diminuiu para crianças de até 8 anos, enquanto o uso da internet dobrou. O dado, divulgado no primeiro semestre de 2025 pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), aponta para uma reflexão importante: o quanto as telas vêm ocupando o tempo das atividades no mundo offline, essenciais nesta fase da vida.
Considerando a faixa etária de 0 a 2 anos, a proporção de crianças online saltou de 9% em 2015 para 44% no ano passado. Já entre os 3 e 5 anos de idade, o salto foi de 26% para 71% no mesmo período e, entre 6 e 8 anos, o uso dobrou de 41% para 82%.
De acordo com o psicólogo e professor da Estácio, Diego de Castro, o ato de brincar é uma atividade indispensável para o desenvolvimento infantil, uma estratégia fundamental para o desenvolvimento cognitivo, emocional e social.
“É no brincar que a criança consegue simular os papéis sociais e, com isso, ela internaliza as construções no sentido da interação social. Ela aprende como vai agir diante de situações, como pode resolver problemas e, principalmente, como transformar o mundo imaginário em realidade”, explica. “Quando a criança brinca, ela manifesta emoções, desejos, conflitos e aprende a compreender o mundo. É nesse espaço lúdico que ela se coloca no papel de sujeito social”, complementa o profissional.
Telas não podem substituir brincadeiras
De acordo com o psicólogo Diego de Castro, a substituição do brincar por telas pode gerar consequências sérias. “Quando a criança não brinca, ela perde a chance de exercitar sua subjetividade, de lidar com seus próprios conflitos e de se desafiar. Isso pode gerar um processo de adultização precoce, onde ela precisa criar estratégias para se desenvolver sem ter vivido etapas fundamentais da infância”, explica.
Para Castro, não se trata de lutar contra a tecnologia, mas de aprender a equilibrá-la. “A tecnologia está presente e, muitas vezes, pode ser útil. Mas ela nunca pode substituir as experiências corporais e sensoriais que o brincar proporciona. O toque, a fala, o imaginar, tudo isso é insubstituível para a criança”, ressalta.
O psicólogo destaca ainda que a falta de contato com o mundo real pode empobrecer o desenvolvimento da subjetividade infantil. “A criança pode acabar desenvolvendo pensamentos muito voltados para um universo imaginário digital, desconectado do mundo concreto, da interação social e das experiências culturais necessárias ao seu desenvolvimento”, alerta.
Por fim, o especialista defende que a mediação dos adultos é fundamental. “A tecnologia não pode ser uma muleta para acalmar a criança. É preciso encontrar alternativas, inclusive formas de integrar a tecnologia de maneira lúdica, mas sempre priorizando as relações afetivas e o convívio social, que são indispensáveis no desenvolvimento infantil”, finaliza.